sábado, 3 de novembro de 2012

Cadmo

Zeus encantou-se com a beleza de Europa, filha do rei Agenor, e para seduzí-la, transformou-se em um magnífico touro branco e misturou-se ao rebanho de Agenor, que sempre pastava na praia. A jovem, que divertia-se na praia com suas amigas, ao ver o animal aproximou-se, acariciou-o e, encantada com a sua docilidade, montou-o. No mesmo instante, o touro disparou mar adentro, levando Europa consigo até a ilha de Creta, onde Zeus deu-se a conhecer amando a jovem.


Agenor, desesperado, ordenou a seu filho Cadmo que saísse à procura da irmã e que não ousasse voltar sem ela. Cadmo resolve explorar as diversas ilhas que cercam a Grécia, mas não teve êxito. Saiu então mundo afora com seus fiéis companheiros, interrogando os habitantes dos diferentes lugares, em vão: ninguém tinha noção do paradeiro de Europa e, não se atrevendo a regressar sem cumprir a missão, Cadmo decide consultar o oráculo de Apolo.

A resposta não é a que Cadmo espera: os deuses ordenam que ele abandone sua busca, pois nunca encontrará Europa. E como ele não poderá tornar à casa paterna, os deuses ainda ordenam que ele funde uma nova cidade. "Ao sair do santuário, você encontrará uma vaca", disse o oráculo. "Siga o caminho pelo qual ela o guiar. Na campina em que a vaca se detiver, funde uma cidade e lhe dê o nome de Tebas." Depois de agradecê-lo, Cadmo obedeceu suas instruções e seguiu a vaca, que anda incansavelmente por dias e noites, até se deitar, exausta, em um campo. Era ali que se localizaria a nova cidade.

Cadmo quis oferecer o animal em sacrifício aos deuses. Como precisava de água pura para as libações, mandou os companheiros irem buscá-la. Perto, estendia-se um velho bosque, que jamais fora profanado pelo machado, no meio do qual havia uma gruta, escondida pelo mato espesso, com o teto formando uma abóbada baixa, da qual saía uma fonte de água puríssima. Na caverna dormia uma enorme serpente, de grande crista e escamas que brilhavam como ouro. Seus olhos flamejavam como fogo, a boca era repleta de veneno e continha três fileiras de dentes. Mal haviam os soldados mergulhado suas vasilhas na fonte, provocando um ruído na água, a brilhante cobra levantou a cabeça fora da gruta e soltou um silvo horripilante. Os servos deixaram cair as vasilhas, o sangue lhes fugiu da face e eles se puseram a tremer da cabeça aos pés. Aterrorizados, não podiam fugir nem lutar, e o monstro os matou facilmente.


Enquanto isso, Cadmo juntava algumas pedras grandes e construiu um altar, onde dispôs a lenha necessária para o fogo sacrificial. Devia respeitar os ritos se quisesse que a cidade nascesse sob boas bençãos. O sol já ia alto no céu, e nenhum dos seus companheiros voltara. Inquieto, Cadmo se perguntava o que os teria retardado. Decidiu então sair à procura deles.

Tendo sua lança como única arma e, a exemplo de Hércules, uma pele de leão como couraça, entrou na floresta. Não demorou a encontrar a nascente. Mas um horrível espetáculo o esperava. Uma serpente gigantesca acabava de devorar seus queridos companheiros. Cadmo não hesitou. Ergueu a lança, atacou o monstro. Sua tristeza superava o terror que sentia, e ele só tinha uma idéia em mente: vingar os mortos ou compartilhar a sorte deles. O ferro penetrou na pele escamosa, e jatos de um sangue escuro jorraram. Mas o réptil só fora atingido de leve. Como ele não parava de se contorcer, a ponta da lança saiu da ferida. E o monstro, enfurecido, saltou sobre o herói, que escapou por um triz. Atacando a serpente mais uma vez, espetou-a e a obrigou a recuar. De súbito, ela se chocou com um galho grande de um carvalho, que transpassou sua garganta, e, ferida mortalmente, foi ao chão. 


Quando o vencedor contemplava seu adversário e chorava a perda dos amigos, a deusa Atena lhe apareceu: "Recolha os dentes do monstro", ordenou. "Semeie-os e verá nascer um exército de soldados. Entre eles encontrará novos companheiros." Cadmo efetuou a estranha semeadura.
Assim que enterrou os dentes, logo apareceu um elmo aqui, a ponta de uma lança ali, ombros, braços, e por fim um pequeno exército de guerreiros cresceu entre os sulcos recém-abertos. Teriam atacado Cadmo, se este não tivesse tido a idéia de lançar, de longe, uma grande pedra no meio deles; assim, sem saber de onde veio a pedra, começaram a atacar uns aos outros, parando apenas quando restavam apenas cinco deles; estes cinco se juntaram a Cadmo e se tornaram os fundadores das primeiras famílias de Tebas.


Cadmo ensinou o alfabeto aos gregos e Tebas tornou-se rica e poderosa. Casou-se com Harmonia, filha de Afrodite e Ares, e teve os filhos: Autonôe, Polidoro, Ino, Sêmele e Agave. A fatalidade, porém, pesava sobre a família de Cadmo, por ter ele matado a serpente consagrada ao deus da guerra, Ares. Os deuses amaldiçoaram Cadmo, sua esposa e toda a sua descendência. Por isso, a vida de seus filhos, netos e todos os que vieram depois foram marcadas por tragédias.  

Sua filha Autônoe casou-se com Aristeu (o mesmo que provocou a morte de Eurídice) e foram os pais de Acteão. Já crescido, quando Acteão estava a caçar na floresta deparou-se com a deusa Ártemis e as suas ninfas banhando-se nuas em um lago. Famosa por sua castidade, Ártemis ficou indignada e transformou Acteão em um veado, que foi devorado por seus próprios cães de caça. Noutra versão, ele teria se gabado de que era um melhor caçador do que a deusa, e acabou recebendo tal castigo.



Ino, enlouqueceu e se atirou de um precipício junto com seu filho. Sêmele era amante de Zeus. O deus atendeu ao seu pedido de mostrar-se em todo o seu esplendor e ela foi fulminada pelos raios que dele emanava. Zeus conseguiu salvar o filho e guardá-lo em sua própria coxa, onde ele completou seu desenvolvimento. Quando Dioniso nasceu, foi entregue para ser criado pelas ninfas pois foi rejeitado pela família de Sêmele que se recusou a prestar-lhe um lugar de honra em Tebas pois não acreditavam que ele era filho de um deus.

A última filha Agave tinha se casado com Equion, um dos guerreiros nascido dos dentes da serpente. Eles eram os pais de Penteu que herdou o trono de Cadmo em sua velhice. Depois de crescido, o deus do vinho e da loucura, Dionísio, retornou a Tebas com suas Bacantes, suas endoidecidas seguidoras. Mas lá, Penteu proibia o culto ao deus. Dionísio então alucinou as mulheres de Tebas, inclusive Agave, fazendo com que elas o acompanhassem junto as Bacantes. Em êxtase elas atacaram Penteu e o despedaçaram. Ainda em estado de êxtase Agave retornou à sua casa carregando a cabeça de seu filho Penteu acreditando que fosse a cabeça de um leão da montanha que havia caçado. Ao perceber a expressão de horror de Equion, lentamente Agave percebeu a tragédia consumada e enloqueceu de vez.


Cadmo e Harmonia saíram de Tebas, que se lhes tornara odiosa, e emigraram para o país dos enquelianos, que os receberam com honras e fizeram de Cadmo seu rei. O infortúnio de seus filhos continuava, porém, a atormentar o casal, e, certo dia, Cadmo exclamou: — Se a vida de uma serpente é tão cara aos deuses, eu preferia ser uma serpente. Imediatamente, começou a mudar de forma. Harmonia viu o que estava acontecendo e implorou aos deuses que a fizessem compartilhar do destino do marido. Ambos transformaram-se em serpentes. Viviam nos bosques, mas, cientes de sua origem, não evitavam a presença do homem, nem faziam mal a quem quer que fosse.